sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

"arrisca-se a ser a primeira mulher"

As palavras que usamos importam.

Perante uma mesma situação, a percepção que diferentes pessoas têm pode ser distinta, daí que as expressões usadas para a descrever também poderão ser, em casos extremos, opostas. Não é o mesmo “sofrer” ou “ganhar”, “arriscar-se” ou “candidatar-se”, ou ainda “ser desafiado a”.

Espantado? Pois saiba que não fui buscar estes exemplos à toa, como poderá comprovar se continuar a ler. Entretanto chamava a sua atenção para o facto de se poder utilizar uma expressão negativa (quando se refere a uma facto aceite universalmente como positivo) deliberadamente, ou seja, para criar no leitor ou ouvinte uma percepção negativa.

Há pouco tempo, uma pessoa conhecida comentava-me o absurdo da expressão “sofrer um aumento” relativa às pensões nacionais, expressão essa que ouvira num telejornal mais sensacionalista. Quando estamos a viver fora de Portugal, como é o meu caso, estas situações saltam mais à vista, fruto de uma observação diferente devido à distância.

Ás vezes parece que há jornalistas que se crêem arautos da desgraça, e ficam confundidos e baralhados, quando a notícia que têm de dar “até” é positiva. Vai daí, contornam a coisa, e usam uma expressão conotada negativamente – não se deixam derrotar! Ou seja, aumentos nas pensões “sofrem-se”, tal como os aumentos na Euribor para quem paga a sua casa ao banco. Obviamente, este canal de televisão é bastante sensacionalista, e parece ver tudo com uma lupa que distorce e até parece inverter a realidade, ao relatar o aumento de uma pensão como algo que se sofre.

Mas há mais exemplos. O que se segue talvez até tenha sido produzido de forma inconsciente, mas o resultado é, no mínimo, de muito mau gosto. No mínimo. Descobri-o na página de Internet da TSF. Sobre a possibilidade de uma mulher tomar as rédeas do poder na Islândia, dizia o seguinte: “Lésbica assumida, Johanna vive com uma jornalista e arrisca-se a ser a primeira mulher líder do governo islandês.” Lá está de novo: arrisca-se! Efectivamente, sendo mulher e ainda por cima lésbica, Sigurdardottir corre grandes riscos se assumir a liderança do governo da Islândia. Ou talvez o que se pretenda dizer é que se arrisca a ser a primeira mulher. Caramba, é realmente arriscado! Sabe-se lá o que poderá acontecer (a ela?... ou à política?...). Johanna, não quereria reconsiderar? Bolas, parece que já lá está!